domingo, 24 de março de 2013

A pergunta certa

Não é raro uma obra artística ser posta em causa por leigos (e às vezes não leigos) sendo esse questionamento muitas vezes orientado na direção da compreensão ou não que se tem dela. E se se está um pouco enferrujado - leia-se formatado - da massa cinzenta, aquele questionamento é  frequentemente (e erroneamente) confundido com o gosto pessoal, produzindo crítica infundamentada.
O vídeo seguinte, a par com o post anterior, concretiza uma formulação exemplar e interessante.



É minha opinião que em arte não há resposta fáceis ou elementares, há que consciencializar. É também mandatório manter uma mente aberta e estar disposto a discutir com essa predisposição quando se põe uma questão. Last, but definetely not least, a pergunta certa - ou talvez a mais importante - perante um trabalho artístico será, de facto: é interessante?


segunda-feira, 4 de março de 2013

Uma Tarde Num Dia de Cão

Aquando da cerimónia da reeleição do presidente Nixon em 1972 as atenções do grande público foram paradoxalmente desviadas pela comunicação social para ocorrência de um acontecimento paralelo. Esse acontecimento, e apesar de ser um assalto a um banco, não teria nada de especial não talvez fosse o móbil dos assaltantes: John Wojtowicz e Salvatore Naturile assaltam uma divisão do banco Chase Manhattan em Brooklyn para pagar a operação de mudança de sexo de Ernest Aron, aliás, Elizabeth Debbie Eden, namorada de Wojtowicz. No entanto, graças à inesperadamente rápida resposta da polícia, o que estava previsto ser um golpe que demoraria 10 minutos escalou para uma situação de sequestro que durou 14 horas, tendo sido feitos reféns os funcionários do banco á altura do assalto. Por seu turno, Richard Nixon não gostou, para dizer o mínimo, de ver o seu protagonismo roubado por aquele acontecimento e envia pessoalmente agentes do FBI para assassinar aqueles dois assaltantes. A protecção policial no local conseguiu evitar a morte de John Wojtowicz mas não a de Salvatore Naturile.
Os acontecimentos desse dia seriam adaptados para cinema por Sydney Lumet em 1975 com o título Dog Day Afternoon, com Al Pacino no principal papel. Curiosamente, John Wojtowicz concebeu o plano do assalto depois de ter visto no cinema o filme O Padrinho, também com Al Pacino num dos papéis principais...
Em 2000 Pierre Huyghe realiza um vídeo intitulado The Third Memory em que, através de uma visualização partida em dois canais, é mostrada uma mescla de cenas do filme com Al Pacino, registos noticiosos da época e cenas de reinterpretação dos eventos daquele dia pelo próprio Wojtowicz. (No link seguinte pode ser visto esse vídeo).
 
Pierre Huyghe, "The Third Memory"

Esta é o que eu considero ser um dos melhores exemplos de arte contemporânea. É uma obra bem definida, coerente e poderosa.
O vídeo remete para a "primeira  memória", correspondente á memória do próprio John Wojtowicz com origem na sua própria percepção, livre de influências, dos eventos em que foi interveniente e de tudo o que decorreu posteriormente; a "segunda memória" é a memória coletiva - ou a memória do público se se preferir - do acontecimento associada ainda á lembrança do filme Dog Day Afternoon; a "terceira memória" é a versão "remasterizada" que Pierre Huyghes nos mostra da memória de John Wojtowicz influenciada já pelos media e mais particularmente pela linguagem de Dog Day Afternoon. Este é o conceito de apreensão mais direta nesta obra: a memória. Não obstante, e se esgaravatarmos um pouco mais fundo, talvez encontremos que subjacente ao conceito da memória está a noção de que uma cultura sem memória não tem identidade, podendo este ser o conceito último da obra.

Para saber mais:

The Renaissance Society